por Guillermo Alvarado
Ao longo de 2017, as aspirações de uma considerável fatia da população e a classe política da Catalunha de criar uma república soberana, e a teimosia do governo da Espanha de impedir a separação, alcançaram momentos de extrema tensão entre Madri e Barcelona não isentos de violência.
Estamos falando num conflito antigo. Em verdade, uma espécie de república catalã já existiu de 1932 e 1939, quando se criou a Generalitat. Recordemos que durante a Guerra Civil espanhola, esta região foi um dos mais importantes focos de resistência republicana. Após a vitória do franquismo, a Generalitat foi dissolvida e só em 1979, depois da morte do ditador, é restabelecida através de um acordo sobre um estatuto de autonomia.
Em 2006, os Parlamentos da Catalunha e da Espanha negociaram um novo pacto que concedia maior autonomia à região, porém quatro anos mais tarde, o Tribunal Constitucional cortou 14 dos 223 artigos.
Segundo os magistrados, em nome da unidade indissolúvel da Espanha, deveria ser eliminado o conceito de “nação catalã”, e o uso do idioma local como língua oficial no governo e na administração pública. A medida foi vista como uma humilhação e se multiplicou a ideia de apelar ao direito de decidir e convocar a um referendo independentista.
Em 2014 se realizou referendo simbólico e dos dois milhões de participantes, 80,7 por cento se pronunciaram pela independência. Um ano mais tarde, uma coalizão independentista, dirigida por Artur Mas, ganhou a maioria no Parlamento e traçou um mapa de caminho para obter a separação do reino espanhol num prazo de 18 meses.
Foi assim que, a 6 de setembro de 2017, já sob o governo de Carles Puigdemont, se aprovou a Lei do Referendo, suspensa um dia depois pelo Tribunal Constitucional.
Apesar de tudo, o executivo catalão assegurou que realizaria a votação a 1o de outubro e se a população aprovasse o SIM, proclamaria imediatamente a República.
Nesse meio tempo, se realizaram grandes manifestações tanto a favor, quanto contra a independência. O presidente do governo espanhol, Mariano Rajoy, do Partido Popular, mandou a polícia para Barcelona, onde os manifestantes que defendiam a independência foram espancados, o que provocou críticas e chamadas a evitar conflito maior através do diálogo e das negociações, porém as duas partes não abriram mão do rumo que já tinham traçado.
O referendo se realizou a 1o de outubro em condições excepcionais e seu resultado favoreceu à separação. Rajoy acenou com cadeia e multas elevadas aos membros do governo catalão e a aplicação do artigo 155 da Constituição, que dissolveria o estatuto de autonomia, o Parlamento e o executivo da Catalunha.
Numa sessão do Parlamento, Puigdemont anunciou a criação da República da Catalunha, e sete segundos depois declarou que a medida ficava em suspenso. Rajoy não hesitou em aplicar todas as represálias que tinha anunciado, encarcerou uma parte do governo catalão e outros, como o próprio Puigdemont saíram ao exílio à Bélgica.
Em gesto inédito, Mariano Rajoy convocou a novas eleições parlamentares para 21 de dezembro, as que aconteceram em condições muito esquisitas.
Em primeiro lugar, não é o presidente do governo espanhol que deve convocar eleições numa região autônoma, e sim o parlamento dessa região. Em segundo lugar, vários dos candidatos independentistas estavam presos ou no exílio, portanto, não puderam fazer campanha.
Além disso, os mesmos partidos políticos que foram protagonistas da crise, como Juntos por Catalunha, Candidatura de Unidade Popular - CUP - e Exquerra Republicana da Catalunha – ERC - pelo lado independentista. E o Partido Popular – PP -, Partido Socialista da Catalunha – PSC – e Cidadãos, os três do setor unionista, seriam também as principais figuras na votação.
As eleições trouxeram algumas surpresas, mas não resolveram o problema como esperava Madri.
A primeira: Cidadãos, um partido de direita recentemente formado e oposto a soberania catalã obteve o maior número de votos – 1,1 milhão – e 37 deputados, algo inédito, porém não alcança para formar governo.
A jornada também não sorriu ao Partido Socialista, que ficou com apenas 17 cadeiras. Nem sequer somando os resultados dos três partidos afins a Madri chegam à maioria parlamentar, fixada em 68 legisladores.
Pelo lado independentista, Juntos pela Catalunha, de Puigdemont, ficou em segundo lugar, com 34 cadeiras, seguido por ERC, que obteve 32 e CUP, ficou com quatro. A soma dá 70 cadeiras ao todo, duas a mais da maioria, porém agora devem negociar entre si, o que se teria evitado com candidato único. O Partido dos Comuns, com oito deputados, terá de decidir ao qual bloco vai aderir.
Se for consolidado um governo de maioria independentista, tudo fica como antes da crise, o que implica uma derrota para Rajoy, porém também não significa que as coisas se repetirão da mesma maneira.
De um lado, a população catalã que deseja a República confirmou sua vontade nas mesas eleitorais. Do outro, seus dirigentes terão aprendido que sem apoio internacional, especialmente da União Europeia, será muito difícil quebrar a resistência de Madri.